Funcionários deram início a uma operação padrão, cobrando salários melhores e menor carga de trabalho. Viajantes vão enfrentar longas filas e péssimo atendimento
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Com o descaso dos órgãos reguladores, empresas devem impor sérios transtornos aos passageiros no fim de ano. Classe C dominará viagens
Os brasileiros que pretendem viajar de avião no fim do ano podem se preparar para o pior. A convocação das seis maiores companhias aéreas (TAM, Gol, Webjet, Azul, Avianca e Trip) feita pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), com o intuito de traçar um plano para evitar um apagão nos aeroportos no Natal e no ano-novo, dificilmente dará resultado, diante do descaso do governo em punir de forma rigorosa as empresas, do descompromisso das companhias — preocupadas apenas em faturar mais — e do forte crescimento do número de passageiros.
O tamanho da tormenta que está por vir pode ser medido pela inércia da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), responsável pela gestão e pela operação dos aeroportos. Todas as obras para a melhoria do atendimento ao público estão atrasadas, sem que ninguém tenha de prestar contas da ineficiência. Na Anac, como ninguém quer assumir publicamente compromissos com a população, a opção é pelo silêncio. Já as empresas repetem o mantra de que “estão preparadas” para o aumento da demanda no fim do ano. Mas também não apresentam nenhum plano concreto de ação
Perante esse quadro desalentador, serão os passageiros a arcar com a fatura de transtornos, que têm se repetido cada vez com maior frequência. No último fim de semana, a TAM atrasou boa parte de seus voos e cancelou dezenas deles sem explicações plausíveis para um erro de gestão. Pouco antes, a Webjet praticamente parou por causa da revolta de seus funcionários com a jornada excessiva de trabalho. Em julho, também por problemas trabalhistas, a Gol provocou uma crise semelhante ao apagão do fim de 2006. Mesmo com todos esses casos concretos, as autoridades pouco fizeram para conter os abusos.
Na avaliação dos especialistas, as companhias aéreas estão sendo amadoras na gestão de pessoal: em vez de contratarem mais mão de obra, preferem impor aos funcionários sobrecarga, com horas extras exorbitantes. “É inacreditável que as empresas não tenham se dado conta de que a atual estrutura não é compatível com o crescimento do número de passageiros”, diz um técnico do governo. “Ou isso é descaso ou falta de capacidade de gestão”, acrescenta.
Todos esses problemas ocorrem a despeito de a Anac fazer um levantamento do número de tripulantes de cada companhia. “Algo realmente está errado no setor”, afirma um integrante da equipe de transição do governo de Dilma Rousseff, que promete fazer uma revolução no mercado de aviação, a começar pela profissionalização da Infraero, que terá parte de seu capital vendida na bolsa de valores. Das empresas procuradas pelo Correio, apenas a TAM garantiu que o seu efetivo de pessoal é suficiente para todas as operações. Atualmente, emprega 2.207 comandantes e copilotos. Ainda assim seus atrasos e cancelamentos são constantes.
Esgotamento
Os sindicatos de trabalhadores gar antem que os empregados das companhias aéreas estão atuando no limite da capacidade física e emocional. “Há vários processos em andamento contra as empresas. Mecânicos não estão podendo parar nem 15 minutos para o lanche”, conta a presidente do Sindicato Nacional dos Aeroviários, Selma Balbino. “Um comissário pode fazer, ao máximo, seis voos por dia. Mas isso não é o que está acontecendo na prática”, afirma. Segundo ela, o deficit do setor aéreo é de aproximadamente 3,5 mil funcionários para atender a demanda crescente.
“Os órgãos fiscalizadores não cumprem o seu papel e não multam devidamente as empresas”, critica o advogado e especialista em gerenciamento de riscos no setor aéreo, Gustavo Cunha Mello. Para ele, o fato de um piloto não descansar devidamente aumenta, e muito, o risco de acidente aéreo. “Quando o acidente acontece, a culpa acaba sendo do piloto, mas o que não se vê é que existe uma má gestão devido a decisões equivocadas”, diz.
O secretário do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Sérgio Dias, conta que há um grande número de funcionários tirando licenças médicas por causa do esgotamento provocado pela carga excessiva de trabalho. Diante da falta de acordo na última reunião entre o Sindicato patronal e o dos trabalhadores, os empregados decidiram não “quebrar mais o galho” das companhias. “Vamos cumprir a carga horária prevista em lei e não haverá mais horas extras”, afirma, sinalizando o início de operação padrão desde 2 de dezembro. Na opinião de Selma, essa medida demorará um pouco para ser sentida, mas deverá ser avaliada na reunião da próxima quarta-feira, entre as duas partes.
Enquanto patrões e empregados não chegam a um acordo, o Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) abre uma série de processos contra as companhias aéreas e critica o novo código aeronáutico lançado pela Anac, que entrou em vigor em julho. “Ele (o código) só confunde e não defende devidamente o consumidor, apenas protege mais as empresas. É preciso fazer mais reclamações contra as companhias na Justiça e não na Anac, pois a punição é mais garantida”, aconselha.
No entender de Bessa, a falta de concorrência é um dos fatores para o desamparo do passageiro. As companhias extrapolam nos atrasos e nas arbitrariedades, como a cobrança de seguro de viagem no preço do bilhete. A Webjet, por exemplo, começou a cobrar R$ 5 para a reserva de assento na internet. Procurada, a empresa se negou a explicar a prática abusiva. A falta de resposta se sustenta no aumento da renda dos brasileiros. As classe C e D estão trocando o ônibus pelo avião. A venda facilitada de passagens até em lojas de eletrodomésticos seduz a todos e infla os lucros das companhias.
Do Correio Brasiliense