“A mala de senhora é um misterioso armazém capaz de albergar mais tralha do que todo o IKEA de Alfragide"
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Às vezes estamos em casa e a minha excelentíssima esposa pede-me: "passas-me o telemóvel?". Eu pergunto-lhe (já a tremer de medo): "Onde é que está?" Ela responde-me (confirmando os meus piores receios): "Está dentro da minha mala". E eu começo imediatamente a benzer-me, porque sei, como qualquer homem sabe, que durante os próximos cinco minutos vou andar desesperado a vasculhar um poço sem fundo, onde tudo aquilo que me aparece à frente é tudo aquilo que não procuro.
Tenho cá para mim que os físicos que durante o século XX andaram entretidos a procurar buracos negros não foram buscar a sua motivação à teoria da relatividade de Einstein mas às malas de mão das respectivas esposas, ao pé das quais os segredos do universo são reduzidos a pó. Acreditar que no meio das galáxias existem massas tão grandes que nem a luz consegue fugir exige muito menos fé do que verificar que no meio das nossas casas existem objectos relativamente pequenos onde a luz não consegue entrar.
A mala de senhora é um misterioso armazém capaz de albergar mais tralha do que todo o IKEA de Alfragide. É como se cada mulher fizesse absoluta questão de estar pronta para a qualquer momento ser lançada no meio da selva amazónica, e por isso fosse extremamente importante ter à mão o telemóvel, a agenda, as fotografias da família, 34 chaves, o pó de arroz, o batom, três pensos, sete canetas, a escova e um pequeno espelho, porque ninguém gosta de estar descomposto quando dá de caras com um índio tupi.
Ainda assim, aquilo que mais me espanta não é tanto a quantidade de inutilidades que uma mulher faz questão de transportar consigo todo o santo dia (e transferir de mala para mala toda a santa noite), mas a forma como se eclipsa cirurgicamente o exacto objecto que ela anda à procura, numa espécie de jogo do esconde-esconde perverso entre as coisas e a sua dona. Nunca, desde que Eva ofereceu a maçã a Adão, uma mulher conseguiu encontrar à primeira aquilo que procurava dentro da sua mala.
Provavelmente, esta incapacidade faz parte do catálogo de castigos divinos reservados ao sexo feminino, porque até um telemóvel a brilhar no escuro e a tocar o último êxito da Lady Gaga consegue desaparecer durante meio minuto num espaço do tamanho de uma caixa de sapatos. Como é que o telemóvel consegue? Não faço ideia. Mas todos sabemos que consegue.
Por:João Miguel Tavares, jornalista (jmtavares@cmjornal.pt)